"Estou no autocarro a caminho de casa dos meus pais. Até aqui apanhei
um taxi, um metro, um comboio, um avião, outro taxi e agora este
autocarro. Numa das paragens vejo um filho ser recebido com gritos pela
família, o pai a esfregar-lhe a barriga, o irmão a gargalhar e a mãe com
os braços muito abertos. Sei imediatamente que ele vem de longe, como
eu, de uma distância que não se pode atravessar sempre que se quer, uma
distância que nos impede de pertencer à rotina.
Lembro a minha primeira grande despedida, há quase 4 anos. No
aeroporto, entre família e amigos, aguentei com um nó na garganta as
lágrimas alheias e percebi que a felicidade está directamente ligada ao
amor destas pessoas que a vida fez o favor de colocar ao meu lado,
pessoas que me amam e ao mesmo tempo compreendem que tenho de ir.
Desde então já vivi muitos reencontros e muitas despedidas, já chorei
em aeroportos ao deixar quem não queria ver partir, já fui só abraços e
alegria, e já vivi a solidão de chegar a sítios onde ninguém me espera.
Enquanto eu transito, estas pessoas aguardam na repetição dos dias que a
minha chegada os torne um bocadinho mais cheios.
A caminho, penso no conforto estrutural e inabalável do quotidiano,
que a minha ausência não faz colapsar. Um sítio-amor a que posso voltar
sempre, e onde sinto que nunca fui embora. Estou constantemente em
dívida, de arma em riste contra a ausência, e ainda assim falho, porque
não consigo melhor.
Chego pelo mesmo caminho de sempre, de que conheço todas as curvas e
cruzamentos. Adivinho o sorriso e o abraço apertado, abraço por todos os
abraços que ficaram por dar hoje, esta semana, este mês. Antecipo o
cheiro a jantar, o ruído da televisão na sala, os desenhos da toalha na
mesa. Sei de cor como será a minha chegada, de tantas vezes que a vivi.
Sei-a tão bem que me parece sempre a mesma, uma eterna chegada a uns
braços abertos.
A saudade, que só se tem em ausência, é ainda assim um saco que nunca
se esvazia, mesmo quando estamos juntos todos os dias, porque são dias
contados. Nunca poderei devolver a quem amo os dias que lhes retirei.
Posso só tentar que os que partilhamos sejam grandes. Posso só ser mais
amor, tentar ser menos falha, e pedir com a humildade da minha pequenez
que a vida me permita dar-lhes muito mais."
Texto de Sónia Balacó in "P3"
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